Camaçari
Psicóloga explica como prevenir e combater a violência na escola
O ataque a creche em Blumenau e uma série de ataques em escolas no Brasil acendeu mais uma alerta sobre a violência dentro de escolas especialmente, levando professores, alunos e famílias brasileiras a clima de muita apreensão. Para além de aperfeiçoar medidas protetivas, a psicóloga Liz Ribeiro, em entrevista ao Camaçari Notícias, aponta medidas de prevenção e combate ligadas a escuta e acolhimento psicológico. Confira a entrevista na íntegra: Camaçari Notícias - Desde agosto de 2022, o Brasil sofre mais de um ataque a cada mês em escolas, afirma um estudo feito por pesquisadores da Unicamp e Unesp. Na sua avaliação, o que tem gerado essa frequência de acontecimentos? Liz Ribeiro - Primeiro, a gente precisa contextualizar o porquê de uma escola. A escola geralmente é o sintoma, o lugar onde um sintoma da sociedade é revelado. Tudo perpassa a escola. Se você quiser um dia conhecer como uma comunidade se comporta, frequente a escola, você vai entender como é que está a questão nutricional, a questão do desenvolvimento, o contexto familiar. Então, se a escola é de fato o lugar onde a sociedade se manifesta e se revela, então é o nosso país. Ele já vem de uma construção social um pouco complexa. As desigualdades, a questão socioeconômica. Nós já somos considerados o país mais ansioso do mundo. Então, vamos unir o contexto onde a escola recebe todas essas informações, essas crianças e essas famílias. E nos últimos dois meses, as escolas vem passando por onda de violência que não aconteceu nos últimos 20 anos. Por conta disso, a gente liga esse alerta e começa a contextualizar os últimos ataques que nós sofremos no Brasil. CN - Qual o papel da família nesse contexto? Liz Ribeiro - A família dentro de um processo educacional, uma área importante em todo e qualquer momento, desde os processos voltados ao aprendizado, até mesmo momentos como esse. Então, assim, a família precisa entender a sua parte dentro desse processo. Não dá para gente esperar que apenas a escola dê conta de todo o processo de formação de um cidadão que é um cidadão. Ele é um conceito muito amplo, muito complexo. Então a escola entra com essa parte um pouco mais teórica e a família, que é o primeiro contato social de um indivíduo, precisa trazer a questão ética, a questão da regra, a questão da moral e os pais precisam. E aí fica uma dica para os pais de adolescentes é estabelecer o que a gente chama daquela atenção vigilante. O que é isso? Não precisa vigiar o filho, não precisa colocar uma câmera, não precisa colocar um gravador de voz. Mas é interessante fazer parte de todo seu processo. Seu filho baixar um game. Ô pai, baixei um game. Que legal! Como é que joga? Qual o objetivo do jogo? Onde é que vai brincar? Só brincar com os colegas, então fazer esse acompanhamento. Nesse sentido, você tanto protege o seu filho porque você está participando desse processo, que é do interesse dele, também garante que a criança não vai estar imersa dentro de alguns jogos, como os que a gente tem visto recentemente, que é justamente extremamente violento. CN - Na sua opinião, o que as escolas podem fazer para acabar com tamanha violência? Liz Ribeiro - A escola é de uma complexidade um pouco maior para ser compreendida. A escola tem que ser a prioridade do poder público. E a gente não está falando de uma instituição, a gente está falando de todas as esferas do poder público. Não dá para a escola ser o único viés responsável por controlar esse tipo de situação. Tudo o que é do ser humano, tudo o que vai envolver o comportamento humano, deve e tem que ser multi. Então a escola tem um papel, a família tem outra, a sociedade tem um, a segurança pública tem outra. A escola pode colaborar quando ela implementa dentro do projeto político pedagógico, por exemplo, ações que vai tratar sobre o assunto. Mas a gente não pode esperar que apenas a escola dê conta disso. Então, a implementação de políticas públicas que vai trazer o psicólogo para a escola, o assistente social, inclusive nós temos uma lei federal de 2019, que já colocou e garantiu esses profissionais, psicólogos e assistentes sociais como serviço essencial educacional básico e não está sendo efetivado, assim como outros países. Então, assim, tudo o que envolve o ser humano tem que ser multi e a escola não foge disso. Diante desse contexto, nesse cenário, muitos pais e responsáveis estão com medo de enviar seus filhos à escola. CN - Diante do aumento recente de ataques a escolas no Brasil, de que forma é possível orientar famílias a lidar com o medo de enviar as crianças e adolescentes irem às aulas? Liz Ribeiro - Primeiro que é super compreensível o medo. A primeira questão, aquele momento emocional. Não precisa colocar o terrorismo, então vamos evitar expor a criança a excesso de informações sobre. Não é para mentir, é para deixar consciente dos fatos, mas sem ficar expondo de forma demasiada. Houve alguns ataques, mas também está havendo, por exemplo, ações de combate. Então assim você apresenta o problema e você apresenta também a resolução e passa a ouvir e acolher mais o seu filho. Mamãe, eu estou com medo. Tudo bem, amor? O medo. Pra que serve o medo? Medo do que? Mas e se isso acontecer? O que é que você pode fazer? E a prova na escola? É útil então, assim trazer todos os elementos para que ele entenda que, para além do medo, que é natural, nesse momento existe uma rede de suporte, que é a escola, que é a família e todos esses outros elementos. CN - Sobre o perfil desse agressor, possivelmente ele já foi agredido, ou sofreu algum tipo de bullying e constrangimento na escola? Liz Ribeiro - um perfil muito específico. Geralmente esse agressor são jovens de sexo masculino entre 10 e 25 anos. Geralmente foram vítimas de bullying durante a infância, de abuso sexual exposto à violência e usam da internet desse espaço cibernético desregulado, sem nenhum tipo de fiscalização para poder manifestar essa maldade, essa crueldade, a dor que um dia foi causando nele. Nesse momento se torna a dor que ele vai causar em outras pessoas. E a escola, lugar muito vulnerável, geralmente composto por crianças, por mulheres, não tem tantos aspectos de segurança, então se tornou alvo fácil. CN - Qual o papel da psicologia infantil e como é que ela age no combate, na prevenção a esses ataques violentos dentro da escola? Liz Ribeiro - A psicologia tem um viés dentro do contexto clínico. Ela vai ter outra fala assim qual é a tratativa correta para a condução desse caso? Primeiro, a escola. Ela tem um conhecimento muito bacana sobre o perfil desse aluno. Então tem um aluno que não socializa tanto e tem um aluno que sempre briga de uma forma mais agressiva. Eu tenho um aluno que machuca demais o coleguinha, o aluno que não obedece muitas regras. Pronto, esse aluno ele já foge um pouco do comportamento esperado para aquela idade. E a gente tem que entender que criança vai brigar, vai se desentender. A gente tem que começar a olhar se existe um excesso nesses comportamentos ou se é algo normal. Se existe um excesso. A gente precisa de uma condução especializada para entender o surgimento daquele comportamento. Pode ser algo totalmente isolado. A criança está passando por um problema e aí não está sabendo lidar com suas emoções e acaba descontando isso na escola, ou pode ser algo de maior complexidade, como é esses casos que a gente vê agora. Então, assim, a escola tem um papel essencial de identificar a psicologia educacional. Seria o ponto de acesso aonde vai pegar esse menino, fazer esse primeiro acolhimento, convocar a família, fazer toda aquela primeira intervenção, a intervenção primária mesmo, de entender, de acolher e, a partir disso, essa profissional encaminhar talvez para um setor mais específico, que seria o psicóloga clínica, para poder fazer os encaminhamentos. Então, o que você percebe é que ninguém sozinho consegue caminhar dentro desse fato. A gente vai percebendo aí agora, uma onda da sociedade que exige muito aparecimento da segurança pública. Não é função das forças armadas. Tal é importante. A segurança é importante, mas assim a gente precisa entender que existe questões para além. CN - Sobre crimes cibernéticos? Liz Ribeiro - Nós precisamos falar sobre os crimes cibernéticos. Aonde estão as leis que permitem que plataformas permitam um usuário baixar games cujo objetivo é matar pessoas. Ou divulgar conteúdo de ódio. Ou divulgar conteúdos de ódio? Aonde está tendo acesso a esse material, onde estão se comprando armas, enfim, todo o utensílio ferramenta que está sendo utilizado. Então a gente precisa solicitar sim uma intervenção dos órgãos devidos, mais para questões específicas, porque a gente não pode reduzir todo esse fenômeno. Algo pontual a situações que aconteceram recentemente foi muito triste. Eu acho que o Brasil inteiro ficou muito comovido. Claro que ninguém queria isso, mas ele revela um adoecimento que já vem acontecendo há bastante tempo, que a gente estava meio que varrido para debaixo do tapete. Então não vamos repetir o erro. Vamos tratar com a mesma seriedade e a mesma complexidade que merece o caso a partir de agora, para evitar que isso se repita no futuro. CN - Sobre dar visibilidade aos autores dos ataques. Qual sua opinião sobre o assunto? Liz Ribeiro - Importante a ideia de a gente poupar. Melhor não dar tanta visibilidade ao autor. Primeiro, imagine o sofrimento da pessoa que passou pelo trauma. Está o tempo inteiro assistindo na televisão esse noticiário sendo repetido e sendo visto. Aquela pessoa que lhe causou tanto sofrimento como alguém tão potencializado como tão protagonista de uma história. Então aí tem o viés de proteger aquela pessoa que sofreu aquela onda de violência. E tem também da gente não incentivar o que a gente chama de comportamento de contágio, que não é necessariamente o que a gente chama de influência, mas meio que se assemelha dentro do senso comum, que é não incitar, não incentivar que outras pessoas que têm o mesmo perfil e a mesma intenção tem esse mesmo tipo de tratamento. Então, assim, é preciso tratar da forma correta. A gente tem que focar nossa atenção, cuidar de quem está machucado e não é ficar evidenciando quem machucou. CN -Gostaria que você fortalecesse a importância do acompanhamento psicológico no ambiente escolar. Liz Ribeiro - A psicologia educacional está se tornando mais do que uma necessidade. Não dá para a gente colocar tudo na conta da escola. Nós estamos dispostos e acho que os conselhos federais, municipais, regionais e vêm tentando instrumentalizar os profissionais para que a gente tem uma atuação satisfatória dentro desses espaços. E tem profissional, tem demanda, tem disponibilidade, tem boa vontade. A gente precisa estar nesses espaços para entender e fazer com que a sociedade se torne um lugar minimamente mais seguro e minimamente mais saudável. Porque a psicologia não é luxo. Psicologia não é nada além do que saúde. E a gente precisa tratar disso o quanto antes.